No segundo dia do encontro, SASP homenageia os arquitetos militantes
- sasparqbr
- Nov 9, 2014
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Dando continuidade à programação, neste sábado (1), no segundo dia do Encontro Estadual dos Arquitetos, foi a vez de homenagear os profissionais que militaram na ditadura. Neste ano, o SASP (Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo) iniciou uma campanha permanente de memória aos anos de chumbo: "50 anos de golpe, lembrar para não repetir". Além disso, foram iniciadas as atividades de quatro comissões de trabalho (gênero, autônomos, servidores públicos e professores) que irão dar as diretrizes de atuação do sindicato.
Homenagem aos militantes Na parte da manhã, foi aberta a mesa de arquitetos e a ditadura que discutiu os reflexos do golpe na sociedade brasileira, como também na produção da arquitetura nacional. Participaram do debate a historiadora e filha de um dos mais importantes arquitetos brasileiros Vilanova Artigas, Rosa Artigas e a também historiadora da UNESP (Universidade Estadual Paulista) de Presidente Prudente e membro na Comissão Nacional da Verdade, Paula Vermeersch. "Quando eu fui convidada a falar sobre os 50 anos do golpe militar, eu me fiz algumas perguntas: por que falar desse tema agora se a maior parte do povo brasileiro nasceu depois? Hoje, [o país] tem outras prioridades" Assim iniciou a entrevista com Valeska Perez Pinto, arquiteta e urbanista, que já presidiu tanto o SASP, quanto a FNA (Federação Nacional dos Arquitetos). Uma vídeo reportagem com depoimentos dela sobre o período foi exibida. "Temos uma responsabilidade com a História, com o que aconteceu neste país e vivemos sob impacto daquele período. Ainda temos protagonistas vivos. É importante ser capaz de recuperar nossa história, pois um país que não se conhece, tem muita dificuldade de definir o que será no futuro", pontuou Valeska. Representante das lutas a favor da democracia e importante arquiteto do movimento modernista brasileiro, Vilanova Artigas em função da ditadura foi afastado da atividade de professor na FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) e também exilado. E por conta dessa importância histórica, tanto na arquitetura, quanto na resistência ao regime, em 2015, ano do centenário de Artigas, será feito o lançamento de um site, o qual o SASP está apoiando, que vai disponibilizar todo o acervo pessoal do arquiteto. "O público terá acesso não só a obra, mas também a atuação política durante o período. Eu tive contato com os processos políticos que ele sofreu, enquanto filha, família e também como historiadora", afirmou Rosa Artigas. "A gente vive o que ele [Artigas] construiu. O plano estudantil da FAU a gente vê hoje. E na USP temos muito esse diálogo sobre os professores que foram afastados durante a ditadura e a importância de se conhecer a nossa história", relatou Thais Matos, estudante do 2º ano de arquitetura da FAU-USP. Já Paula Vermeersch relatou os trabalhos de pesquisa feitos entorno de casos de desaparecidos políticos em colaboração para a Comissão Nacional da Verdade. Ela também enfatizou a importância desse resgate para compreensão da história e não repetição dos erros do passado. "Porque lidar com desaparecidos de 1971 [em referência ao caso do estudante Abílio Clemente Filho], porque tem desaparecido em 2014. É preciso fortalecer a democracia e coibir práticas infelizes", argumentou. O assunto estimulou o público a compartilhar experiências pessoais sobre o período. Como foi o caso da diretora financeira do SASP, Cintia Zaparolli que teve o pai preso em 1971, quando tinha apenas 3 meses de idade. "Essa experiência reflete tudo o que eu sou hoje, me tornou uma arquiteta social", relatou. Comissões de trabalho Gênero Na parte da tarde, foram iniciados os trabalhos das quatro comissões sendo, a de gênero, autônomos, servidores públicos e professores. O sindicato deseja a partir das discussões em torno desses temas se basear nas ações futuras. "A questão do trabalho, do negro, dos índios, dos deficientes são assuntos que não têm sido discutidos. Estamos iniciando hoje com mais aprofundamento a nossa conversa", afirmou Laura Souza, diretora regional do SASP Campinas. A primeira mesa tratou da questão de gênero e contou com a presença da cientista social Silvana Rubino, professora do IFCH da Unicamp (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas), a arquiteta e urbanista e professora da FAU-USP, Paula Santoro e por fim Telmi Adame, estudante de arquitetura e urbanismo e representante da FeNEA (Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura). "Nós docentes precisamos fazer perguntas mais ousadas. Teria Lina Bo Bardi [importante arquiteta modernista italiana naturalizada brasileira] se desenvolvido se não tivesse sido casada com seu cliente [ ela foi casada com o crítico de arte Pietro Maria Bardi]?", provocou a cientista social. Segundo a arquiteta Paula Santoro, a desigualdade de forças presentes no mundo do trabalho se reproduz na arquitetura. A cidade não é planejada para suprir as necessidades da mulher. "Quem está discutindo os planos de diretores das cidades não consultou as mulheres. O trajeto dela não é só da casa para o trabalho, ela tem outras atividades, como deixar o filho na escola, supermercado. É necessário um novo conceito de mobilidade", comentou. Por fim, a estudante Telmi Adame colaborou com uma série de números que apontam a desigualdade de gênero tanto na profissão, como também na representatividade da categoria. "O reconhecimento é muito baixo apesar da maioria ser de mulheres tanto na academia, quanto no mercado de trabalho", afirmou. Servidores Públicos Para discutir os desafios da arquitetura pública, participaram da mesa o diretor jurídico do SASP, Victor Chinaglia, o presidente da FNA (Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas) Jeferson Salazar e o professor da USP e arquiteto efetivo da Prefeitura Municipal de São Paulo, Alexandre Delijaicov. Foi ressaltada a importância da constituição de escritórios públicos de arquitetura. "Isso só será possível com a valorização do servidor público. Há falta da cultura de projeto na arquitetura", afirmou Delijaicov. Ainda segundo o professor e servidor público, o urbanismo é mercantilista o que causa deficiência nas obras públicas. Já Salazar comentou sobre o crescimento desordenado das cidades e a importância do arquiteto na reorganização do espaço urbano. Segundo ele, 80% das construções são feitas sem arquitetos ou engenheiros. "Além de agregar qualidade técnica, o arquiteto deve agregar qualidade de vida à população", comentou.
Visto essa realidade, Salazar fez uma provocação. "Devemos saber pra quem trabalhamos. Nós servimos a burguesia, essa é a cultura predominante. Os grandes projetos não são para todos. É preciso conhecimento da sociedade sobre o trabalho do arquiteto", pontuou. Professores e autônomos Para discutir essa comissão participaram o presidente do SASP, Maurílio Chiaretti, o também diretor do sindicato Paulo André, o arquiteto e professor e pró-reitor adjunto de planejamento da UNIFESP, Pedro Fiori Arantes e o estudante de arquitetura e presidente da FeNEA, Vitor Halfen. Chiaretti falou sobre a mercantilização da educação e a sobre importância dos estudantes se organizarem logo na graduação. "75% dos arquitetos se formaram a partir de 2003. Com o mercado fragmentado, fragilizado, temos arquitetos subempregados, Pj´s (pessoa jurídica) e Mei´s (Microempreendedor individual)", comenta. O professor Arantes, ressaltou a importância de atualização curricular dos cursos de arquitetura. "O currículo está olhando para onde vai o profissional depois de formado. Somos presos em um sistema burocratizado chamado grade curricular", afirmou.
Já o presidente da Fenea, apresentou um levantamento o qual mostra a condição precária dos estágios dos estudantes de arquitetura e urbanismo. "O ensino da arquitetura reforça o modelo atual do mercado de trabalho, que é conservador e voltado para uma pequena parcela da população", argumentou. Por fim, o diretor do sindicato, Paulo André, reforçou a importância das comissões, assim como a participação dos arquitetos para direcionamento das atividades do sindicato. "Que o encontro dê início a uma discussão mais aprofundada e as reuniões das comissões vão acontecer ainda este mês", finalizou.

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